17 de setembro de 2010

Arquitectura e Ciência (Proposta de leitura através da Música)

http://tv.up.pt/channels/conferencias

Na Arquitectura, tal como refere Rui Vieira Nery a propósito da música, as dinâmicas conceptuais e produtivas da obra estabelecem-se, ciclicamente, através de aproximações e afastamentos ao referente científico. É um movimento histórico pendular, sem retorno à origem, que oscila entre os princípios da racionalidade cientifica e o mundo intuitivo das emoções.
Esta problemática que se estabelece a partir da relação entre os significados de Ciência e de Arte tem sido por várias vezes debatida no âmbito da Arquitectura. A ausência de um arquitecto no debate promovido pela Universidade do Porto - Diálogos com a Ciência - na sessão "Ciência e Arte" (Janeiro 2010), é largamente compensada pela qualidade e interesse do discurso de Vieira Nery quando o olhamos no contexto das afinidades e proximidades, históricas e teóricas, existentes entre Música e Arquitectura.

7 de maio de 2010

Das Casas Octogonais de Fowler à Dymaxion House de Fuller: do Panóptico ao Panorama. Migrações, errâncias e continuidades no advento do Moderno.

[Este texto é mais uma variação sobre o tema das Casas Octogonais de Orson Fowler. A riqueza da obra a isso se presta. Assim, em parte se repete o texto fundador publicado em http://resdomus.blogspot.com/2009/07/das-casas-octogonais-de-orson-fowler.html]

O crescente poder da tecnologia sobre a sociedade, em particular sobre a cultura arquitectónica, aconselha uma atenção sobre os seus mecanismos e as formas de controlo e adequação. O texto traça uma breve panorâmica sobre dois breves casos que confrontam o problema da inércia histórica da Arquitectura da Casa com a necessidade de uma inventiva técnica determinante na perseguição de um programa social e político. Os exemplos dados têm em comum o Panóptico, quer cumprindo o seu estatuto de dispositivo político, ou como mera estruturação espacial preferencialmente eleita para suportar a integração tecnológica.
O estudo da forma panóptica associada à arquitectura doméstica permite ilustrar alguns dos problemas que constituíam a teia de valores e fenómenos de onde emergiram alguns dos edifícios paradigmáticos da inovação tecnológica e arquitectónica, nomeadamente, o movimento que viria a transformar-se gradualmente no seu símbolo iconográfico global: o High-Tech.

Panóptico : Controle Visual e Técnico

“Lentamente, no decorrer da época clássica, são construídos esses ‘observatórios’ da multiplicidade humana para as quais a história das ciências guardou tão poucos elogios. Ao lado da grande tecnologia dos óculos, das lentes, dos feixes luminosos, unida à fundação da física e da cosmologia novas, houve as pequenas técnicas das vigilâncias múltiplas e entrecruzadas, dos olhares que devem ver sem ser vistos; uma arte obscura da luz e do visível preparou em surdina um saber novo sobre o homem, através de técnicas para sujeitá-lo e processos para utilizá-lo”.[1]

Foucault coloca a questão do Panóptico de Jeremy Bentham[2] (1748-1832) na sua essência política de dispositivo de controle, presente mas ambíguo, por isso eficaz, que fixa um centro (físico ou virtual) e, portanto, organiza um espaço de natureza concêntrica onde o quotidiano é disciplinado. É uma ferramenta política que arrasta consigo uma inventiva funcional e técnica.
A arquitectura que suportará esses ‘observatórios’ deixa de ter como objectivo o fausto dos ‘grandes palácios’ para se transformar em formas utilitaristas originadas pela precisão de uma máquina criada por um pensamento racionalizante.
Sob a ideologia do panopticismo, a arquitectura colectiva institucional dos hospitais, dos hospícios, das fábricas, das escolas e das prisões, irá originar uma panóplia de soluções construtivas, nomeadamente de mecanismos de controle ambiental que posteriormente serão transferidos para outras tipologias. Para além dos indícios modernistas sobre o critério do plan livre, está já agendada no livro de Bentham, The Panopticon Writings, a estreita relação entre forma arquitectónica e os sistemas de ventilação e aquecimento. Vejamos a extensa mas justificada citação retirada da Carta II:
“For these partitions the thinnest materials might serve; and they might be made removeable at pleasure; their height, sufficient to prevent the prisoners seeing over them from the cells. Doors to these partitions, if left open at any time, might produce the thorough light. [...] a small tin tube might reach from each cell to the inspector's lodge, passing across the area, and so in at the side of the correspondent window of the lodge. [...] The most economical, and perhaps the most convenient, way of warming the cells and area, would be by flues surrounding it, upon the principle of those in hot-houses. [...] The flues, however, and the fire-places belonging to them, instead of being on the outside, as in hot-houses, should be in the inside. By this means, there would be less waste of heat, and the current of air that would rush in on all sides through the cells, to supply the draught made by the fires, would answer so far the purpose of ventilation.”[3]
Ao Panóptico faz Bentham corresponder não só o controle visual, mas também, o térmico, o de ventilação e o de luminosidade. Realça-se que, independentemente do programa funcional que albergue, a forma panóptica sintetizará na sua racionalidade e no seu utilitarismo algumas das mais importantes inovações técnicas da sociedade industrial. Como se procurará verificar, permanece no Panóptico, não só um ideal político e social, qual seja a sua natureza e objectivo, como também uma aspiração a ser um artefacto portador de inovações técnicas entrosadas na inventiva da forma. A partir do Iluminismo verifica-se ser uma prática estranha à Arquitectura Clássica associar a optimização dos circuitos, quer sejam distributivos, infra-estruturais, ou mesmo estruturais, ao núcleo das formas de planta central. O Panóptico inaugura, pelo menos em larga escala, essa forma de organização funcional e técnica do espaço.
Apesar da sua génese na Arquitectura Institucional, encontramos também o Panóptico aplicado à Arquitectura da Casa. A nossa proposta é, no âmbito da inventiva técnica e da forma, trazer á luz uma Arquitectura anónima mas determinante na constituição do programa estético e político contemporâneo.
Nesse contexto, o trabalho propõe a análise das Casas Octogonais do americano Orson Fowler (1809-87), remetendo-a depois para a leitura do projecto da Dymaxion House que o transcendentalista e cientista Buckminster Fuller (1895-1983) concebeu em 1927.

Caso I

A obra que Fowler escreve e publica em 1848, A Home for All or a New, Cheap, Convenient, and superior Mode of Building (título significativamente alterado na reedição de 1853: A Home for All or The Gravel Wall and Octagon Mode of Building New, Cheap, Convenient, Superior and Adapted to Rich and Poor), constituiu um manual de construção, prático, cuja influência e popularidade foi atestada pelas inúmeras reedições ocorridas durante a segunda metade do século XIX e que resultaram num legado singular de casas de matriz octogonal, ainda hoje visível sobretudo na zona Este dos Estados Unidos.
O pensamento utilitarista e positivista de Fowler, produz uma Arquitectura da Casa paradigmática da metamorfose que a forma tradicional do doméstico irá sofrer na transição do século XIX para o XX. À luz das mudanças sobre o papel da mulher e da liberdade sexual, do significado de família e da importância da higiene física e mental dos indivíduos, a ‘razão frenológica’ de Fowler, construirá uma arquitectura tecnicamente evoluída, funcionalmente inovadora, precursora de algumas preocupações do programa político Moderno.
Fowler foi o mais importante divulgador e praticante transatlântico da Frenologia[4]: ‘pseudo-ciência’ precursora da Psicologia e da Neurologia modernas. Idealista e homem de acção, o seu percurso, centrado na ‘razão frenológica’, abordou de forma eloquente alguns dos problemas sociais da sociedade industrial e, particularmente, os temas furtivos à conformidade vitoriana: a emancipação da mulher, a educação sexual, a relação conjugal no casamento, a organização familiar e, consequentemente, o espaço doméstico.
A capacidade do homem para edificar, por ser uma necessidade primária, é uma qualidade latente; a revelação em particular do seu “Inhabitiveness” e do seu “Constructiveness”[5] – Saber Habitar e Saber Construir – confere a apetência especial para projectar a própria casa. Foi nesta condição que Fowler desenvolveu o seu pensamento sobre a ‘arquitectura da casa’, tendo como base a forma panótica. O ‘poder do centro’ como valor espacial e desígnio do novo estatuto das relações familiares será transposto por Orson Fowler para a Casa Octogonal. O centro é o ponto onde está o poder técnico e funcional: é o espaço de distribuição, de iluminação, fundamental quer do ponto de vista da estrutura como da gestão das infra-estruturas; mas também é o “corredor vertical” onde convergem todos os movimentos domésticos.
O sucesso da Casa Octogonal deve-se à hibridez de um discurso que, oscilando entre o científico e o empírico, explicita uma racionalidade analítica e operativa, capaz de ser ilustrada em confronto com a realidade quotidiana débil. A exposição simples do problema e a indicação de uma solução normalizada mas adaptativa, confortável mas barata, inovadora mas recorrendo a meios técnicos existentes, para além de provocar uma disseminação inaudita, desencadeou um processo que reconheceu na proposta de Fowler um ‘suporte’, ou seja, utilizando a definição do holandês John Habraken (1928), aquilo que é estrutural, imutável e colectivo.
Fowler transforma o plano octogonal num verdadeiro aparelho ordenador de um ideal doutrinário cuja rede de elementos se alastrava às mais diversas acções do homem. Essa diversidade que a Casa octogonal irá mecanizar e colocar em prática é a que Fowler, induzido pela Frenologia, fixa nos seus livros e que é está explicitamente definida nos títulos que adopta: “Phrenology and Physiology aplied to de selection of suittable companions for life, including the analysis of the domestic faculties; and also directions to the married for living affectionately and happily together”[6]; ou, “Human Science: or Phrenology; its principles, proofs, teachings, philosophies, etc, etc, as aplied to Health, its value, laws, functions, organs, means, presevation, restoration, etc. : Mental Philosiphy, human and self improvement, civilization, home, country, commerce rights, duties, ethics, etc. : God, His existence, attributes, laws, worship, natural theology, etc.: Immortality, its evidences, conditions, relations to time, rewards, punishments, sin, faith, prayer, etc. : Intelllect, memory, juvenile and self education, literature, mental discipline, the senses, sciencies, arts, avocations, a perfect life, etc, etc, etc.” [7]

Caso II

Depois da Primeira Guerra Mundial, Buckminster Fuller vê na tecnologia desenvolvida pela máquina de guerra americana, uma oportunidade de negócio. Essa possibilidade, a conjectura económico-política e a sua multifacetada capacidade de actuação, originarão um programa de intervenção alargado, designado pelo próprio Fuller de Dynamic Maximum Tension Project – Dymaxion.
Apesar da popularidade do projecto estar particularmente associada ao ‘concept car’ Dymaxion Car, exposto na reedição da Exposição Universal de Chicago de 1934, o processo tinha sido iniciado em 1927 com a divulgação da casa futurista Dymaxion House. O ‘sonho americano’ que o modelo da casa veicula assentará no slogan da habitação confortável de baixo-custo, funcional, energeticamente eficiente. Para além da experimentação dos materiais que se tinham desenvolvido no âmbito da tecnologia de guerra, a proposta de Fuller integra no projecto métodos científicos analíticos para a decisão das soluções construtivas ancorados na nova ordem construtiva da standartização e da produção em massa.
Este suporte será o escolhido para ilustrar uma sociedade ideal igualitária de matriz tecnocrática. A mediação que Fuller procurava entre o mundo artificial e o natural estava confiada ao progresso tecnológico, onde a Arquitectura emergia como um mero instrumento. Nesse sentido, a única intencionalidade formal representada na Dymaxion House é a transmitida pela volumetria inequivocamente nascida da lógica tecnológica, a qual optimizará os critérios económicos e os relacionados com a técnica produtiva, com o conforto e com a transportabilidade.
A solução de planta central hexagonal permite aglutinar à volta do núcleo o acesso e os serviços. Aí, encontra-mos um conjunto homogéneo que distribui calor, água, luz, música, limpeza, alimentação, ventilação ao espaço que o rodeia.
Tal como acontecia com a planta octogonal de Fowler, identifica-se uma tendência para o panóptico da forma no sentido de libertar a sua periferia para capturar em panorâmica o infinito visual que transparecem nos grandes envidraçados e, eleger o núcleo como espaço de acesso e de controle estrutural e infra-estrutural.
A casa que Fuller concebe dá-nos toda a informação sobre as oportunidades que o conhecimento tecnológico no período entre Guerras facultava à constituição de uma nova arquitectura. No entanto, seria George Frederick Keck (1895-1980) que concretizaria essas possibilidades quando em 1933 constrói para a A Century of Progress International Exposition de Chicago a Tomorrow House. A similitude entre os dois trabalhos deve-se provavelmente a vínculos profissionais que a sedução tecnológica sedimentaria. É um facto que a proposta de Keck tem como referencial conceptual não só o projecto da Dymaxion House como a casa ideal defendida por Orson fowler no livro A Home for All : uma dessas casas era conhecida do arquitecto americano que a estudara aprofundadamente durante os anos da sua formação académica. Essa será uma das razões porque o radicalismo funcional e técnico patente na Tomorrow House se repete num contentor semelhante ao que Fowler havia utilizado cinquenta anos.
Estas casas de entre Guerras estão na génese do fenómeno High-Tech e ilustram bem a contaminação da racionalidade tecnológica sofrida pela cultura construtiva. Ou seja, uma propensão em incluir determinantemente o factor tecnológico na concepção e na construção da forma arquitectónica. Com estas casas parece ter-se chegado a um grau máximo da intromissão do conhecimento e poder técnico-científico na linguagem da Arquitectura.

Conclusão

Referindo-se aos anos oitenta do século XX, Alberto Pérez-Gómez destaca a crise arquitectónica aberta com as dúvidas sobre o significado do Moderno, aconselhando o cruzamento da análise histórica com o nascimento da Ciência Moderna:

“The beginning of our architectural crisis does not date back a few years to ‘end of avant-gard’, or even to the inception of panopticism and the industrial revolution, or the demise of the Beaux Arts in the early twentieth century. Rather, it must be seen in parallel with the beginning of modern science itself and its impact on architectural discourse.”[8]

Paralelo à investigação científica enclausurada nas paredes do laboratório, à Grande Arquitectura fechada na ortodoxia das ordens clássicas, desenvolveu-se uma Arquitectura heterogénea e eclética contaminada pela acção política, moral e tecnológica.
A distância entre a obra do amador-arquitecto, representado por Fowler, e a cientifico-arquitecto, entrepreneur, simbolizado por Fuller, marca uma sequência onde é reconhecível algumas alterações que o conhecimento e a produção da arquitectura sofrem com a gradual ascensão e consolidação da prática científica. Essa passagem para um artefacto mais controlado pelo poder científico e, indirectamente, pelo poder político que encontra nele a sua razão de actuação, descobre no Panorama o novo estádio do Panóptico.
Os dispositivos ópticos de escala arquitectónica parecem marcar o final do século XVIII. Nos primeiros três anos da década de noventa Jeremy Bentham inventa o Panopticon e o industrial Robert Barker constrói o Panorama[9]. Durante o século XIX, o sucesso do Panorama, simbolizará não só um verdadeiro êxito da síntese entre arte, ciência e tecnologia, como proclamará uma liberdade do olhar cuja ilusão resulta de uma instrumentalização pura de controle.
A posição central do vigilante que controla é também, desde o início, a zona privilegiada para se introduzir os sistemas de controle ambiental e mecanização; esse espaço passará paulatinamente a ser ocupado pela tecnologia de um poder exterior que não deixa de controlar.
Falar do Panorama aplicado à Arquitectura Moderna da Casa, que encontra na proposta de Fuller eco, equivale a mudar de referencial paradigmático porque propõe a quem habita, a experiência de fluir num espaço sem limites e de complementar essa paisagem que se vê por trás dos grandes envidraçados com uma rede de informações e serviços que não controla.
Aplicado à materialização do objecto arquitectónico, o conceito de técnica refere-se a uma quantidade de meios heterogéneos combinados de forma particular para objectivar, num espaço e num tempo precisos, uma forma singular. A tecnologia, por oposição, remete essa acção produtiva para processos mais controlados e uniformizados; para uma possibilidade de instrumentalização do conhecimento.
Nos dois casos apresentados, o tecnológico imiscui-se com o técnico, albergando tanto uma visão hierarquicamente ordenada do mundo como um pragmatismo que comporta muitas vezes desvios indeterminados. A passagem do Panóptico ao Panorama equivale a comparar um organismo controlado sobre si mesmo, com outro transparente, aberto, superiormente controlado através da insinuação de um poder que busca legitimação no tecnológico enquanto mito de progresso social.


[1] FOUCAULT, Michel, Vigiar e Punir. Petrópolis: Vozes, 1987 [1ªed. 1975], p.144
[2] O termo utilizado deriva da obra do filósofo e jurista inglês Jeremy Bentham. A definição espacial está particularmente caracterizada Na “Letter VI. Advantages of the Plan”, diz. “The building is circular. The apartments of the prisoners occupy the circumference. You may call them, if you please, the cells. These cells are divided from one another, and the prisoners by that means secluded from all communication with each other, by partitions in the form of radii issuing from the circumference towards the centre, and extending as many feet as shall be thought necessary to form the largest dimension of the cell”. BENTHAM, Jeremy, The Panopticon Writings. London: Ed. Miran Bozovic, 1995 [1789]. Este tipo será também proposto para Casas de Correcção, Hospitais, Manicómios, Escolas e Fábricas.
[3] “Letter II. Plan for a Penitentiary Inpection-House”, in BENTHAM, Jeremy, The Panopticon Writings. London: Ed. Miran Bozovic, 1995 [1789]
[4] Durante o séc. XIX, a Frenologia – conhecimento e tipificação comportamental do individuo através da leitura ‘topográfica’ do crânio - como forma de introspecção psicológica e crescimento pessoal, adquiriu um reconhecimento social que só se viria a desvanecer com o aparecimento da Psicologia e da Neurologia, já no século XX. Dos ilustres pacientes de Fowler conta-se Samuel Langhorne Clemens (1835-1910) – pseudónimo Mark Twain – e o escritor Walt Whitman (1819-92). Whitman incluiria na sua obra alguns dos temas tratados na Frenologia; por sua vez, Fowler publicaria alguns dos textos de Whitman, nomeadamente, no American Phrenological Journal.
[5] “Inhabitiveness” e “Constructiveness” fazem parte das faculdades da mente relacionáveis com certas zonas do cérebro: “Inhabitiveness” corresponde à “Species I – Domestick Propensities” enquanto a “Constructiveness” integra a “Species II – semi-intelectual Sentiments” que faz parte do “Genius II – Human, Moral, and Religious sentiments”, ambas incluídas na Ordem I (Faculdades afectivas e Sentimentos). Em, FOWLER, O. S., Fowler’s Practical Phrenoloy. New York: Fowlers and Wells, 1840, p.45-50.
[6] FOWLER, Orson S., Phrenology and Physiology aplied to de selection of suittable companions for life. Philadelphia: O.S. Fowler, 1841
[7] FOWLER, Orson S., Human Science: or Phrenology. Philadelphia: The National Publising CO., 1873. (Esta publicação resume em 1211 páginas parte da obra escrita de Fowler).
[8] PÉREZ-GÓMEZ, Alberto, Architecture and The Crisis of The Modern Science, The MIT Press, Cambridge, 1983, p.339
[9] O Panorama é um aparelho de ilusão óptica. É uma Arquitectura, normalmente, de planta central que forma um tambor; contém no seu interior uma torre central de observação, à qual o público acede, e um cenário realista com efeitos de ilusão de perspectiva aplicado no tambor. A torre mecanizada gira sobre o tambor criando no observador a ilusão que roda 360 graus sobre a paisagem. Antes do aparecimento do cinema este mecanismo gozou de grande sucesso durante o século XIX.

24 de abril de 2010

Os Bairros Operários do jornal “O Comércio do Porto”. Uma aproximação ao estudo da Habitação Higienista na primeira metade do séc. XX no Porto.


http://sigarra.up.pt/faup/noticias_geral.ver_noticia?P_NR=761




Comunicação apresentada ao Colóquio Internacional C+C+W 2010 (Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, 15 Abril 2010)

Esta breve exposição integra-se num trabalho mais vasto de investigação dedicado à arquitectura dos bairros operários, focando a análise, no modo de produção de uma casa destinada a ser Saudável, Económica e Cómoda.
Essas soluções, construídas em torno dos conceitos de salubridade, de conforto mínimo, de rentabilidade produtiva e de eficácia funcional – premissas importantes na formulação da casa-máquina moderna – começam a ser enunciadas entre nós no início do século XX, primeiro por iniciativa filantrópica, associadas à estrutura económica do complexo fabril, depois, promovidas pelas primeiras cooperativas e, já com a Primeira República, fomentadas por Municípios e pelo próprio Estado.

Porquê o estudo de casas tão modestas? - De arquitectura tão afastada dos edifícios do Grande Desenho ensinado nas Academias.


Na realidade, tratam-se de arquitecturas quase anónimas mas onde, em nosso entender, é visível um processo de transformação do habitar provocado pela chegada daquilo a que, num artigo de 1899, Adolph Loos, figurativamente apelidava de “O Picheleiro”. Ou seja, o reconhecimento de dois tipos de fenómenos decisivos ligados à questão da higiene: um técnico (a incorporação e gestão no espaço doméstico dos fluxos associados a uma nova ideia de conforto - saneamento, abastecimento de água e renovação de ar - exigidos pelas medidas sanitárias que vinham sendo incrementadas desde final de Oitocentos); o outro, social, baseado na cultura do limpo, identificável nos hábitos de higiene doméstica, no robustecimento físico e na conduta moral do individuo, na ideia do controle social em prol da coesão de uma certa imagem de pátria.

Podemos sumariamente responsabilizar o aparecimento destes novos termos em que a casa é concebida, à ciência médico-sanitária consolidada no século XIX: a Higiene.

Conforme refere Maria Castrillo Romón:
“O papel da Higiene no movimento da reforma do habitat foi crucial. Por um lado, no contexto progressivamente dominado pelo positivismo, estabeleceu pontes entre as ciências biomédicas e a intervenção sobre o espaço, com o qual cobriu as aspirações da “cientificação” da prática urbanística e edificatória. Por outro lado, o grau de consenso politico forjado ao redor das questões da higiene, abreviou o caminho para a profunda reorganização do habitat que o reformismo (guiado não só por estritos fins sanitários) impulsionou a todas as escalas, desde a cidade ao interior doméstico”.[1]

A comunicação explorará pois o tema do Higienismo, entendido como ciência e como moral, aplicado ao pensamento e à produção da habitação no contexto particular da habitação operária na primeira metade do século XX. Pretende-se perspectivar algumas chaves de leitura sobre a constituição de modelos de Casas Económicas Saudáveis e Cómodas, aquilo a que genericamente apelidaremos de Casa Higiénica.

OS BAIRROS DO JORNAL DO COMÉRCIO DO PORTO

O caso de estudo a seguir apresentado reporta-se aos três Bairros Operários que o jornal O Comércio do Porto mandou construir entre 1899 e 1904.

Para se compreender a singularidade dos projectos dos bairros do “O Comercio do Porto” é necessário dar alguma informação sobre o contexto em que esses bairros são produzidos, nomeadamente sobre a situação do alojamento do operariado na cidade do Porto e sobre duas personalidades cuja acção irá, por diversos modos, directa ou indirectamente, influenciar a arquitectura dessas construções.
Referimo-nos ao prestigiado médico higienista Ricardo Jorge (1858-1939) e ao jornalista e economista Bento de Sousa Carqueja (1860-1935).

O forte desenvolvimento industrial existente no Porto no final de Oitocentos e o associado crescimento demográfico alimentado por uma população imigrada do campo, agravou e fomentou o alojamento barato e débil baseado numa sobre-ocupação das casas existentes e recorrendo ao preenchimento do interior dos quarteirões com filas de pequenas habitações insalubres e miseráveis.
 Era uma face da cidade escondida a que os higienistas irão dar visibilidade por ser potencial antro de infestações. Será essa a realidade de espaços esconsos, sombrios e infectos tomada pelo médico Ricardo Jorge.

Em 1885, sob os rumores das vagas epidémicas que assolariam o país, Ricardo Jorge escreve o livro Hygiene Social Aplicada à Nação Portuguesa [2] onde promove a nova ciência higiénica contra o atraso sanitário das urbes, nomeadamente, nos seu aspectos de organização administrativa, de modernização das infra-estruturas e do controle de hábitos sociais.
Convidado a trabalhar para a Câmara Municipal do Porto, incrementa uma série de inquéritos e estudos analíticos que funcionarão como fundamento cientifico para o lançamento de um conjunto de propostas profiláticas. Uma das ideias que fomenta é a de que o estado deve impor medidas legislativas protectoras.
Com a pressão de uma eminente eclosão epidémica, começam a ser introduzidas alterações significativas nos procedimentos administrativos e nas normas regulamentares sobre a construção de edifícios.
Destaca-se em 1895, ao nível das Posturas Municipais do Porto, a obrigatoriedade de instruir os processos de licenciamento com plantas, cortes, alçados e pormenores da rede de saneamento (até então apenas era necessário entregar o alçado de rua). Em 1901, já Ricardo Jorge, Inspector Geral de Saúde, será publicado com base num seu relatório, o Regulamento Geral de Saúde que conduzirá à primeira legislação nacional dedicada especificamente às edificações urbanas.
Segundo o seu art. 10º (Regulamento de 4 de Dezembro de 1901), os serviços de saúde pública tinham por fim "vigiar e estudar tudo quanto diz respeito à sanidade publica, à hygiene social e à vida physica da população, promovendo as condições da sua melhoria", destacando-se:

·       A estatística demográfico-sanitaria;
·       A salubridade dos lugares e habitações;
·       A higiene da indústria e do trabalho.

Na sequência daquelas medidas legislativas surge em 1902 o Regulamento sobre a Construção de Prédios Urbanos e o Regulamento de Salubridade das Edificações Urbanas, documentos que estarão na origem do actual Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU) que vigora desde 1951.

Por exemplo, o Regulamento de Salubridade das Edificações Urbanas de 1902, para além de limitar as cérceas em função do perfil do arruamento impunha, entre outros, que a altura mínima entre pisos não fosse inferior a 3,25m no R/C e 1ºandar; 3,00m no segundo; 2,85m no terceiro e 2,75m nos sucessivos. Também, o pavimento do R/C devia ter uma caixa de ar com 60cm de altura; as janelas deveriam ser amplas para darem entrada ao ar e à luz, tendo pelo menos de área um décimo da superfície do pavimento do compartimento, com um mínimo de 0,28 m2 nos quartos.

Em síntese:

-         com Ricardo Jorge e os seus pares, a reforma sanitária, que decorre entre 1899-1901, consagrava o conceito de Estado Higienista[3].
-         na transição de século, havia já um quadro legal, normativo e fiscalizador que obrigava à Casa Higiénica.


Outra personalidade importante para a leitura do aparecimento dos Bairros Operários do Comércio do Porto é Bento Carqueja, administrador e director do jornal portuense, intelectual distinto e homem mobilizador. Do seu circulo de amigos constava, entre outros, Teixeira Lopes, António Carneiro e Marques da Silva, responsável pelo projecto da sua casa de férias em Ferreiros – Oliveira de Azeméis [4]. Alias o seu relacionamento com arquitectos importantes na cidade passou também por Rogério de Azevedo que nos anos 30 é convidado a projectar a nova sede do jornal, na Avenida dos Aliados, e uma das creches do Comercio do Porto, na Avenida Fernão Magalhães.
A sua vasta produção teórica reflecte as suas preocupações sociais nomeadamente a que se refere ao fomento do alojamento da classe operária. O Futuro de Portugal (1900), A Sciencia e a Industria em nossas Casas (1912), O Povo Portuguez. Aspectos Sociaes e Económicos (1916), são obras de conteúdos transversais, desde a História da Economia até à Ciência Doméstica, passando pela abordagem da “Questão Social”[5] o grande tema político na passagem da Monarquia Constitucional para a República.

A promoção de alojamento para as classes pobres por parte do Comercio do Porto decorre directamente da mortalidade que a peste bubónica provocou na população residente no centro histórico. Para o financiamento dessa causa, Bento Carqueja reunirá o apoio directo de beneméritos oriundos dos mais diversos sectores da sociedade, incluindo a família real.

O documento que estabelece a construção das primeiras casas, assinado por Bento Carqueja e restantes proprietários do Comércio do Porto, refere que os bairros seriam “dotados com as máximas condições higiénicas e organizadas em harmonia com os melhores modelos destas fundações no que forem adaptáveis no nosso pais”[6].


Quais os Modelos?
Que Fundações?

Até à implantação da República uma série de propostas de lei vão sendo apresentadas ao Parlamento sobre o alojamento operário.
Os seus conteúdos eram influenciados por um conjunto de publicações europeias – maioritariamente francófonas - dedicadas à questão da casa higiénica e promovidas pelo Movimento Higienista. É o caso dos relatórios dos Congressos Internacionais de Higiene ou das secções dedicadas à Higiene nas Exposições Internacionais, mas também os livros técnicos ou os almanaques dirigidos ao grande público.
Quanto aos modelos, por exemplo, numa notícia no “O Comércio do Porto”, a propósito dos elogios à iniciativa do jornal pelo Ministro das Obras Públicas e da Justiça - João de Alarcão – quando propôs um lei sobre a promoção de bairros operários[7], lia-se:
“Em todos esses tipos (de casas) houve a preocupação de criar habitações acomodadas ao nosso clima e ao nosso meio social, sem se perderem de vista os requisitos a que, segundo as opiniões expressas por higienistas, por sociólogos e por arquitectos, em livros e congressos, devem satisfazer as casa baratas, para realizarem completamente o fim útil e humanitário a que se propõe”.[8]

Uma das propostas parlamentares de Augusto Fuschini, em 1884, em nota de rodapé ao texto, recomendava-se a leitura da obra de Émile Muller e Émile Cacheaux,
[9] “As Habitações Operárias”, publicada em Paris em 1878[10]. O seu conteúdo e o seu sucesso editorial revela uma migração de modelos que devem ter seguramente influenciado trabalhos num vasto território. Conforme intenção dos autores o livro, que recolhia exaustivamente projectos de casas operárias a nível mundial, devia se constituir como um instrumento pedagógico e técnico para a expansão do movimento das cidades operárias.

Nos três bairros analisados podemos encontra, de facto, um processo experimental, não só quanto à tipologia, mas igualmente sobre formas de actuação mais vastas que passaram pelo controle e verificação da sua reacção pelas famílias alojadas.

Quando Bento Carqueja propõe construir alojamento para o operariado é clara uma estratégia de intervenção social e politica assente nos seguintes propósitos:

·       Uma arquitectura do desejo que premeia os mais competentes e morigerados;
·       Uma arquitectura de influência que cria hábitos de ordem e de higiene;
·       Uma arquitectura experimental com modelos diversificados e abertos (Manuel Fortunado, projectista do bairro de Lordelo, chega a afirmar que também deveria ser experimentado um Bloco);
·       Uma arquitectura modelo que integra os princípios modernos de salubridade e acomodação a favor da classe operária, possível de ser reproduzida;
·       Uma arquitectura económica que disciplina um habitar mínimo.


A experiência dos Bairros Operários do “Comercio do Porto”, sintetizam, à escala nacional, um quadro de valores e de concretizações, que rivalizam com as mais avançadas práticas no sector da habitação operária na Europa. Nas décadas que antecederam a implantação da República, no Porto não existia um sector industrial alargado e vigoroso, muito menos uma economia firme e estabilizada, que justificasse a produção em massa de casas para o operariado. Daí que estes bairros nunca tivessem assumido a escala urbana das vilas operárias da França, da Inglaterra ou da Alemanha. No entanto eles pressupunham um modelo físico de Cidade Jardim, bem visível na arquitectura de inspiração rural, com uma linguagem de elementos modestos mas sempre a lembrar as Cottages inglesas utilizadas, por exemplo, na cidade-jardim de Port Sunlight cujo inicio da construção dista 10 anos do Bairro do Monte Pedral da autoria do arquitecto Marques da Silva.

Numa proposta de lei do ministro das obras públicas João de Alarcão de 1905, que começa por elogiar os Bairros do jornal portuense, lia-se: construir os bairros com “os elementos essenciais à vida – o ar puro do céu que é a saúde do corpo, a luz clara do sol que é a alegria do espírito”[11].
O texto que em parte viria a ter força de lei em 1918 – já depois de implantada a Primeira República - originando os denominados Bairros Sociais, é marcadamente apologista da casa unifamiliar com jardim e horta. Num contexto mais alargado encontramos o mesmo sentido nas palavras do urbanista espanhol Arturo Soria y Mata (1844-1920) quando afirmava que “A cada família, uma casa, em cada casa, uma horta e um jardim”.

Verifica-se que o discurso do regime de Salazar sobre o Programa das Casas de Renda Económica de 1933, estava já agendado nas propostas de Casas Económicas Saudáveis e Cómodas promovidas nos últimos 30 anos que antecederam a implantação do Estado Novo.



[1] ROMÓN, Maria A. “Castrillo, Vivienda social y planificación urbanística: vestígios reformistas en la prática actual”, Revista de Sociologia, nº13, FLUP, Porto, 2003, p.154
[2] JORGE, Ricardo, Hygiene social applicada à nação portugueza. Porto: Civilização, 1885, p.III
[3] Graça, Luis. (2000) - História da Saúde no Trabalho: 2.1. A Reforma da Saúde Pública no Virar do Século XIX (www.ensp.unl.pt/lgraca).
[4] Separata de "O Tripeiro", 7ª série, Ano XIII, nº 8-9, Porto, 1994
[5] Termo utilizado pelo historiador Rui Ramos in “História de Portugal – A Segunda Fundação”, dir. José Mattoso, pág.210.
[6] AHMP, Livro de Próprias: Ofícios de diferentes repartições e autoridades, 1905, fls. 617-8 (in “Um século de Indústria no Norte”, p.114)
[7] Proposta de Lei nº10BB (in Diário Da Câmara dos Senhores Deputados – Sessão nº19 de 22 de Agosto de 1905, pág.15)
[8] O Comercio do Porto, 29 de Novembro de 1905.
[9] Émile Cacheux e Émile Muller, respectivamente, o promotor  e o engenheiro, ainda professor na Escola Especial de Arquitectura de Paris e “Architecte des Cités Ouvrières de Mulhouse & Autres”, foram responsáveis quer pela construção mas sobretudo pela divulgação de uma das mais conhecidas cidades operárias de Oitocentos - Mulhouse. As tipologias empregues serão tomadas como modelos em outras experiências, nomeadamente, em nosso entender, no Bairro de Monte Pedral.
[10] Proposta de Lei nº10BB (in Diário Da Câmara dos Senhores Deputados – Sessão de 17 de Maio de 1884, pág.1641)

22 de novembro de 2009

Habitação: experimentação e cidadania.

"¿Quién vive ahí?"

[Programa da RTVE sobre habitação colectiva - 18/11/2009]
"¿Quién vive ahí?" é o título da reportagem do programa televisivo espanhol Comando Actualidad. O programa analisou um conjunto de edifícios emblemáticos através de entrevistas aos moradores. As respostas não são surpreendentes.


Video: Comando actualidad

2 de agosto de 2009

O Octógono nas Casas de Orson Fowler.



  [Resumo do artigo aceite para publicação na Revista NEXUS - http://www.nexusjournal.com/CFS-Nexus2010.html. Trata-se de uma primeira variação sobre o tema fixado no texto inaugural que viria a ser publicado em http://resdomus.blogspot.com/2009/07/das-casas-octogonais-de-orson-fowler.html]    O texto tem como objectivo reflectir sobre o uso da geometria radial panóptica enquanto instrumento colocado ao serviço de uma arquitectura anónima, portadora de uma objectividade eminentemente social e política, mas suportada inequivocamente pela razão da forma.    O tema remete directamente para o pensamento arquitectónico de Orson Squire Fowler (1809-87) formulado no livro A Home for All or The Gravel Wall and Octagon Mode of Building New, Cheap, Convenient, Superior and Adapted to Rich and Poor (1848). A obra constituirá um manual de construção prática, cuja influência e popularidade será atestada pelas inúmeras reedições ocorridas durante a segunda metade do século XIX que resultou num legado singular de casas de matriz octogonal ainda hoje visível sobretudo na zona Este dos Estados Unidos.   O sucesso da “casa octogonal” deve-se à hibridez de um discurso que, oscilando entre o científico e o empírico, explicita uma racionalidade analítica e operativa, que foi capaz de ser ilustrada em confronto com a débil realidade quotidiana de Oitocentos. Apesar da utilização da planta octogonal ser conhecida da História, o modelo proposto por Fowler é elaborado fora da tradição que elege a geometria como instrumento de aproximação ao simbólico ou de controle de determinados efeitos espaciais. O universo em que Fowler se movimenta é mais prosaico e pragmático. A sua erudição reside fundamentalmente num autodidatismo ecléctico que permite, através do pensamento lógico-dedutivo estimulado pela Frenologia sintetizar e sistematizar alguns problemas associados à concepção, produção e utilização de edifícios no contexto socio-económico da época.   Tecer, ainda que abreviadamente, uma espécie de ‘genealogia’ da forma gerada pelo traçado octogonal admite localizar a proposta filantropa e amadora de Fowler num tempo intermédio, que medeia obras tão díspares como a Torre dos Ventos de Andronicus de Cyrrhestes, construída por volta do ano 50 a.C. em Atenas, ou a obra contemporânea de Álvaro Siza Vieira localizada em Sintra, a apelidada Casa “Rato Mickey”. O intervalo supõe um sistemático recurso a uma forma geométrica particular como fonte geradora de uma ordem com o natural determinante para a sua racionalidade.  Interessa destacar estes dois singulares edifícios porque nos permite evocar algumas circunstâncias paradigmáticas no uso da geométrica como sistema de controle formal, funcional, técnico e, sobretudo, político; entendido no seu lato sentido: conjunto de princípios e de objectivos construído para fornecer uma estrutura à planificação de actividades em determinado domínio e a tomadas de decisão. Esta incumbência dada à geometria octogonal é decisiva para se compreender o significado da proposta ideológica e arquitectónica de Fowler.